terça-feira, 1 de setembro de 2009

Joe Berardo: Já gastei mais de 20 mihões na Quinta do Monte

O encontro dá-se no Museu Berardo. Perdão... No Centro Cultural de Belém, local onde o 8.º homem mais rico de Portugal tem parte da sua colecção de arte contemporânea em exposição de acesso gratuito para os portugueses e visitantes estrangeiros. Está mais magro - perdeu 18 quilos - devido a uma operação feita no início do ano, mas não perde a boa disposição nem a capacidade de atirar para todos os lados. Fortuna 'oblige!'

Há dois anos revelou num inquérito que o seu único vício era fazer amor no Verão…
Deve haver algum engano porque gosto disso a qualquer época do ano... (ri-se) Não me lembro de o ter dito, deve ter sido uma brincadeira.

Então deixemos a brincadeira. Há dias soube que a sua fortuna desceu cinco posições no ranking dos portugueses mais ricos. A notícia estragou-lhe as férias?
Não! Ouvi falar disso na rádio, mas nem me acrescenta ou preocupa. Como ouço de vez em quando falarem das listas da Forbes. Até preferia que não falassem de mim, mas é o jornalismo...

Preferia que não se falasse, porquê?
Gosto de manter a minha vida privada, e essas coisas de dizer quanto é que se vale em nada me ajudam. Até é uma chatice às vezes.

Não gosta de ter o seu nome nessa lista dos mais ricos?...
Não! Gosto é de estar relacionado com a cultura, porque acho que todos temos o dever de ajudar o cidadão a melhorar a sua vida. Esta exposição (que está no CCB) dá oportunidade para a imaginação de uma criança que a visite ultrapassar os limites. E a nossa vida, enquanto andamos por aqui, não deve ter limites. Desde que Marcel Duchamp introduziu o urinol como uma obra de arte, em 1917, que não há limites para a imaginação. O que importa falar da minha capacidade financeira quando há a arte como a desse homem?

Não se pode fazer uma colecção como a que tem no CCB sem um grande fôlego financeiro.
Claro! Costumo dizer que a cultura e as finanças vão a par e passo, e eu podia ser uma pessoa muito boa - como muitos intelectuais que têm essa coisa toda -, mas sem a parte financeira não poderia ter uma colecção que é considerada uma das melhores do mundo. É a imaginação da cultura que me dá essa possibilidade.

Desde criança que é um coleccionador compulsivo. Foram caixas de fósforos, selos e tudo o que estivesse à mão…
É verdade! A primeira colecção que comecei a fazer na Madeira foi quando ainda não tinha dinheiro. Por isso é errado quando dizem "ah, se eu não tenho dinheiro, não posso fazer nada"... Ainda tenho a minha colecção de selos que um inglês me ensinou a organizar. Depois, eram as caixas de fósforos, foram os postais de navios que iam até ao porto do Funchal, colecções que ainda devem ter algum valor monetário.

Porque é que era tão compulsivo nas colecções?
Ainda hoje não sei de onde é que herdei essa forma de ser. Nem sei se foi a influência dos ingleses na Madeira, se foram os turistas que eu recebia na empresa Madeira Wine quando lá trabalhava. Não sei.

Mas terá a ver com a sua infância?
Sim, deve ter a ver com a minha infância, mas não foi na escola que aprendi isto. Não foi…

Raramente fala do passado. Tem alguma história de infância que o tenha marcado?
Comecei a trabalhar cedo, aos 13 anos e meio, e a descontar para a Segurança Social até aos 18 anos, quando fui para a África do Sul. A minha infância foi relativamente humilde, mas com muito prazer da parte da minha mãe e do meu pai, que me educaram como puderam.

Quando estava na África do Sul, prometeu que nunca mais voltaria a Portugal.
Quando subia às montanhas da Madeira e via o horizonte, o mar ao longe e o Funchal lá em baixo, sentia uma atracção para partir e parti. Se tivesse ficado na Madeira, talvez fosse hoje um político ou um homem de negócios.

E estaria a lutar pelo poder com Alberto João Jardim...
Talvez. De qualquer modo, nunca fui muito inclinado para a política. Não sei porquê, mas acho que na política a pessoa tem que prometer e nem sempre pode cumprir. Até me lembro de uma vez em que tive uma reunião com o homem do CDS, o Manuel Monteiro, que era genro de um madeirense - o Baltazar, a quem o meu pai fazia o vinho -, que queria ajuda para o partido na Madeira. E, então, o homem disse-me que só foi para a política para transmitir a verdade e eu respondi-lhe: "veja lá que Deus Todo Poderoso prometeu tantas esperanças às pessoas e 2000 anos depois ainda há muitos que não são católicos. Eu ia lá para a política sem poder dar o que é importante às pessoas!

É por isso que o outro "deus" da Madeira, João Jardim, é bem sucedido?
Eu acho que sim. Ele tem uma coisa que é incredible, quando anda em campanha, toma nota de tudo e a primeira coisa que faz depois é cumprir as promessas. E não há outro político ou homem de negócios que faça isso.

O Governo da República também tem cumprido as promessas que lhe fez. Até cedeu este espaço no CCB…
Cedeu, não, eu é que cedi a minha colecção para estar aqui, senão estava em França! Queria fazer em Toulouse um museu de raiz para instalar a minha colecção e ainda hoje continuam a dizer que a queriam muito lá. Os franceses até me deram uma condecoração! Só para ver como as coisas são, uma parte da colecção foi exposta em França e em menos de três meses tivemos 250 mil pessoas a pagarem 12 euros para a ver. Até o ex-presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso a foi visitar e teve que usar influências para não ficar tanto tempo nas filas.

Mas aqui, no CCB, os bilhetes são de graça!
Ninguém pode dizer que vem aqui ao CCB e não pode visitar o Museu Berardo por causa de dinheiro. O mesmo acontece no meu Jardim dos Budas, no Bombarral, e ainda há poucos dias quando estive lá, as pessoas vinham agradecer porque nunca teriam possibilidade de ir visitar os budas à China. E como estão ali, milhares de pessoas já foram lá!

Esse jardim está para si como o Rancho Neverland para o Michael Jackson.
O meu jardim é visitável e com uma perspectiva cultural, não é uma Disneyland. A ideia é que as pessoas possam ter tempo para si próprias e que seja um monumento à paz.

Porque é que optou por fazer um jardim budista em Portugal?
Foi em homenagem que resolvi fazer depois da destruição dos budas de Bamiyan, no Afeganistão. Destruíram-se ali seis mil toneladas de pedra, e eu e o meu filho decidimos fazer também seis mil toneladas de budismo, porque não há o direito cultural de se destruir uma coisa dessas, e se alguém o fizer, alguém terá que refazer. Por isso decidi fazer em Portugal, mas podia ter sido feito em qualquer parte do mundo.

Que é uma atracção turística!
O Jardim dos Budas ainda não está oficialmente aberto, mas quero que seja um monumento histórico, aonde virão pessoas de todo o mundo observar.

Teve apoio da câmara local para os budas como teve de Sócrates aqui no CCB?
Eu não pedi apoio… Até porque tenho dificuldade em fazer um plano para as minhas coisas. Se no meu jardim da Madeira, eu tivesse feito as contas antes de o começar a fazer, poderia não ter avançado. Já gastei mais de 20 milhões de euros lá…

Se fizesse antes as contas, desistia?
Era capaz de não fazer certas coisas! Se eu tivesse também feito um plano quando comecei com a minha colecção de arte, não sei até onde teria ido, porque era para gastar 500 mil euros e já vai em centenas de milhões e ainda vamos a meio caminho! Se eu tivesse tido a ideia de que iria gastar este montante em cultura, de certeza absoluta que não o teria feito. É o que eu sempre digo, temos de ter uma ideia e ir fazendo. Os planos são bons para os intelectuais, que são pessoas que não têm a minha sensibilidade pela cultura, que continuo a fazer as coisas. Quero é fazer coisas ao meu gosto e partilhá- -las com as pessoas que as visitam. Na Quinta da Bacalhoa, tive nove casos em tribunal! Hoje, é reconhecido como o melhor monumento recuperado a nível da Península Ibérica! Fizeram tanta chantagem comigo, até o Sá Fernandes pus quase contra mim. Eu não queria que as pessoas achassem que têm que abrir excepções a toda a gente para fazer coisas culturais, mas acho que tenho mostrado que o que faço não é para estragar. Até porque sem cultura teremos uma grande dificuldade em analisar o futuro.

No CCB, teve uma megarreacção.
Eu sou um outsider e não faço parte do sistema, nem na cultura nem nas finanças... Por isso é que tenho o privilégio de poder falar à minha maneira, aquela que eu aprendi com os judeus na África do Sul! E como já tenho 65 anos, sei dar valor ao que sempre aprendi: que o importante na minha vida é o dia seguinte.

Mas não gosta muito se ser contrariado nas suas vontades...
Nunca me juntei com yes man, mas sempre com pessoas que sabem mais do que eu, que são mais bonitas do que eu, que são culturalmente melhores que eu. Já me viram com alguém que eu manipulasse? Não me interessam essas pessoas! Até podia juntar-me com pessoas que faziam o que eu queria, mas não teria o sucesso que tenho. Parece que estou a brigar, mas não é, estou é sempre a extrair das pessoas o que sabem melhor que eu, senão não tem graça! Compreendo que o Mega Ferreira não goste do meu estilo, e se há uma pessoa que gosta de yes man, talvez seja ele... O Sócrates também tem pessoas que não são yes man com ele! Politicamente, não sou socialista, mas gosto de pessoas que pretendem extrair das outras o melhor, e os líderes têm que fortes para levar essa convicção avante.

O Governo socialista tem-no tratado bem.
O PS é um partido que tem feito muito pela cultura. O Durão Barroso não fez muito pela cultura, embora seja um homem da cultura. Em Portugal estão sempre com paninhos quentes a tratar a cultura. Temos o nosso Presidente da República… O Cavaco Silva também não fez muita coisa, nem ministro da Cultura ele tinha! Tinha um secretário...

O secretário de Estado, Santana Lopes.
O Santana Lopes, que conheci bem, que até foi meu sócio, que fez coisas que ainda hoje eu não percebi onde serviam a cultura. Se não fosse o [Manuel Maria] Carrilho, que também era socialista, e que atraiu muitas pessoas pela cultura, eu incluído, não sei o que teria acontecido.

Já que falamos de socialistas, o que é que acha da actuação do governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, nestes casos polémicos da banca?
O que é que quer que eu diga?! Em 1998, pus um anúncio nos jornais a revelar as minhas preocupações, e o Banco de Portugal devia ter--me chamado para perguntar a razão de o ter feito, que acordo estava eu a referir que prejudicou os outros accionistas. Como andam aqui neste conflito de interesses, não há ninguém a respeitá-lo por isso. Toda a gente pode dizer que a responsabilidade é de ninguém, que é uma coisa muito típica de Portugal. Têm dinheiro, fazem a manipulação dos mercados e ninguém age. É como o que aconteceu com o nosso querido amigo madeirense Jardim Gonçalves, um homem que recebe billions, ou roubou billions de euros aos accionistas dos bancos, e ninguém é responsável?

Pediu que fossem canceladas a reforma dele e de mais quatro administradores do BCP. Acha que vai conseguir?
Não há alternativa! As pessoas têm que ser responsáveis pelo que fazem. Neste caso, a procissão ainda vai a meio do adro.

Acha que conseguirá inverter o processo?
Não tenho dúvidas, ou a credibilidade internacional de instituições financeiras como o Banco de Portugal ou a CMVM vai ao fundo. Já fizeram um passe contra eles, agora, as coisas têm que andar mais activamente.

Porquê a lentidão na resolução dos casos?
Eu não sei! A lei é lei.

Também gostava de vender a sua participação na Zon mais rapidamente…
De momento não estou à venda, há que esperar e ver o que vai ser a definição do mercado.

O grupo Sonae anda atrás da sua parte?
Atrás de mim? Ninguém anda atrás de mim!

Gostaria de se reunir consigo, então.
Sim… Os accionistas de uma instituição têm uma coisa em comum, que é fazer mais-valia nos seus investimentos. Very simple, não é? É a lei do mercado, queremos é a melhor maneira de rentabilizarmos os investimentos.

E qual é a melhor maneira?
De momento, o mercado está murcho, está incerto. Portanto, temos que dar um tempo.

Gostou de assistir aos episódios da novela PT, TVI e Prisa pelos 30%?
Não percebi esse negócio, mas achei um pouco estranho os interesses que estavam por detrás. Para a PT ter conteúdos? Então, está a prejudicar os accionistas. Isso trazia água no bico.

O senhor, que percebe de negócios, entende porque é que Belmiro de Azevedo continua a perder dinheiro no jornal Público?
É um jornal que está a perder dinheiro, pelo menos segundo as contas, mas que tem sido ao mesmo tempo muito vantajoso e também prejudicial aos negócios da Sonae.

Vantajoso porquê?
Porque indica ou inclina os negócios.

Ficou mais amigo de Horácio Roque, agora que foram vítimas da "Operação Furacão"?
A minha relação com o Horácio Roque já vem de há 30 anos! Somos sócios, somos pessoas acostumadas a inspecções. Quando foram investigar, dissemos sempre: "Não temos nada a esconder, está tudo aberto." Acho que as pessoas têm que fazer investigação, doa a quem doer. É o trabalho deles.

Espera que isso aconteça no BCP?
Espero.

Recentemente disse que o BCP "continuava a roubar".
Não disse isso, está a dizer o que foi interpretado e que depois foi corrigido. O que eu queria dizer é que continuam, e é verdade, continuam a roubar. E o que é que eu quero dizer com isso? São os seguros que fizeram, o usufruto de pensões relacionadas com as contas que fizeram, aldrabadas, e que continuam ainda a beneficiar delas. Penso que até Setembro vai estar tudo resolvido e será um grande benefício para os accionistas.
in Diário de Notícias (João Céu e Silva)

2 comentários:

Anónimo disse...

Boa tarde, Sr.Joe Berardo, conheci-o no Edifício Equitativa em Lisboa, onde trabalhei na Ford Lusitâna e, nos cumprimentavamos na sua saída onde tinha seu chaufer esperando no seu bentley...já passaram muitos anos...A vida muda para todos, mas quem mais tem com mais fica...quem nada tem com nada de nada fica.
Eu desses 20 milhões de euros, só precisava de uma quantia insignificante para me tratar do meu cancêr que ataca milhares de pessoas e agora chegou a minha vez inesperadamente, pois tenho que optar ou me alimento e mal ou faço a medicina alternativa, a FÉ a ESPERANÇA é muita, mas os meios são muito reduzidos, e cada vez mais devido a esta situação em que vivemos. Enfim cada um com seus problemas, mas quando a saúde nos falha até os amigo fogem para nada se lhe pedir, lhe desejo BOA SORTE..e...enfim é só um desabafo...

Maria Medeiros e-mail: del.negro@sapo.pt

Anónimo disse...

Peço desculpa pois esqueci de enviar minhas condolências por seu amigo e sócio Sr.Horácio Roque...

Tudo o que falei na msg anterior é porque sempre tive grande admiração pelo senhor, vi sua espectacular exposição na primeira vez exposta no CCB, talvez há uns 9 ou 10 anos, que adorei. E tenho acompanhado sua evolução e criticas nos seus negócios, e discursos...Eu pessoalmente acho que é de dar um grande apreço a uma pessoa como o senhor chegar onde chegou...Obrigada por este bocadinho!!!

Maria Medeiros