quinta-feira, 18 de junho de 2009

Rui Santo: O turismo depende de estratégias criativas

Como especialista em criatividade e inovação como acompanha a crescente onda de encerramentos de empresas neste mundo globalizado? Não vê aqui a falta de alguma criatividade dos empresários, numa primeira linha, como líderes, e depois dos próprios quadros que se acomodam e não sugerem novas formas de fazer as coisas, de colocar tudo em causa no sentido de reinventar procedimentos?
Sim, acho que você apresentou muito bem. Estão faltando novas ideias nos negócios. No entanto, quando aparecem, crescem rapidamente. Um exemplo que chegou de Lisboa a São Paulo é a casa “O melhor bolo de chocolate do mundo”, que apresenta uma nova maneira de fazer bolos – sem farinha nem fermento. Aqui em São Paulo, essa casa faz grande sucesso em quatro lojas. O autor transformou uma padaria local numa franquia global através de novas ideias e empreendedorismo que leva a inovação.


As ferramentas de criatividade e processo criativo abrangente que promove desde 1994 poderiam contribuir para esbater o aumento do desemprego, na medida em que mostraria às empresas caminhos diferentes?
Certamente, as ferramentas de criatividade contribuem significativamente para encontrar novas alternativas de negócios. No entanto, para diminuir o desemprego há que acrescentar o empreendedorismo. A iniciativa empreendedora combina-se com novas ideias. Só com ideias nos limitamos à imaginação. Só com negócios estamos fazendo “mais do mesmo”. É preciso combinar os dois ingredientes de modo interactivo, isto é, um se apoia no outro de modo a produzir novos conhecimentos e avançar onde o campo estiver disponível, como fez o empreendedor de Lisboa.
Ou dito de outra forma. “Criatividade e empreendedorismo: um se apoia no outro, ambos se apoiam na inspiração de novos conhecimentos para construir um lugar que ainda não existe”.

Pode falar da sua técnica dos cinco sentidos?
A “Técnica dos Cinco Sentidos©” é uma ferramenta para facilitar a produção de ideias, entre outras técnicas que criei. Parte-se do princípio que produtos e serviços também actuam no cliente/consumidor pelos seus sentidos (do produto/serviço).
Na tabela [página da direita] exemplifico com o cinema. No início era somente visual (as imagens). Posteriormente veio a música (som) através de um pianista que tocava durante as sessões de filmes. Então apagaram as luzes e os frequentadores descobriram que podiam namorar (tacto) no cinema. Mas, até aí, não se podia comer nem beber. Hoje, os cinemas mudaram e atraem os frequentadores pelo cheiro de pipocas que espalham no ambiente externo e vendem alimentos e refrigerantes para serem ingeridos durante as sessões de filmes. Estão actuando nos cinco sentidos dos frequentadores. No futuro, talvez tenhamos cinemas em restaurantes...
Nessa tabela podem ainda ser acrescidos dois sentidos (estou trabalhando nesse desenvolvimento actualmente). Para a ciência actual, há os sentidos do movimento e da emoção, respectivamente sexto e sétimo sentidos. Nos novos cinemas nos Estados Unidos, a poltrona vibra em função da cena que está na tela. Já estão utilizando o sexto sentido.
Outro exemplo ocorre no comércio. As lojas de grife (marca) de roupas, por exemplo, estão perfumando os ambientes com cheiros que se associem às suas respectivas marcas, de modo que a marca actue na lembrança do cliente por três sentidos – visual, tacto e olfacto. Não há motivo para uma marca/símbolo ter somente visual e tacto, excepto falta de criatividade. Aliás, onde a tabela estiver em branco, faltam ideias.

O cheiro a novo nos carros

A indústria automobilística procura uma maneira de prolongar por anos o cheiro de carro novo, uma vez que os proprietários gostam desse cheiro, e os bancos pesquisam cheiros que levem os clientes nas agências, a associar o nome do banco com segurança e fiabilidade.
Na propaganda, nos cursos que pratico, mostro como os comerciais actuam nos cinco sentidos (ou deixam a desejar...) e, mais importante, a maneira como usam os sentidos para extrair (despertar) dos clientes, seus valores humanos (saúde, status, inserção, participação, envolvimento, união de pessoas, etc.) para o produto ou serviço que oferecem. Os comerciais de televisão que melhor aplicam essa técnica são os de cigarro (agora proibidos no Brasil) e os de cerveja, mas não são os únicos. Os comerciais de cigarros eram os mais lembrados, uma vez que actuavam nos cinco sentidos do telespectador.
Essa técnica aplica-se ao turismo. Por exemplo, podemos pensar em roteiros que privilegiem o paladar através de sabores diferentes (no Brasil através de frutas, tal a variedade que existe por aqui), ou o visual (pela arquitectura, cores e formas) ou a audição pelas músicas ou sons da natureza... Enfim, tudo que a criatividade for capaz de desenvolver dentro de cada sentido ou combinando-os como um roteiro turístico único.
Tenhamos em mente que, seja para expressar, seja para absorver, o ser humano dispõe de cinco (mais dois) sentidos para processar a comunicação. Por quantos mais sentidos um produto ou serviço se registar (actuar, marcar) na mente dos clientes/utilizadores, melhor e mais profundamente ele (o cliente) armazena em sua mente o evento, produto, serviço ou o que for.

Ampliar a capacidade criativa

Diz que existem 20% de pessoas criativas e 20% de outras resistentes à mudança. Pelo que há que trabalhar com 60% através de metodologia adequada, com a qual podem chegar a produzir resultados tidos como “muito criativos”, mesmo quando comparados aos que têm essa habilidade, plenamente desenvolvida. Em que subsiste essa metodologia que não será suficiente para estimular os tais 60% do mundo e tentar motivar os 20% que, como dizemos em Portugal, são os “Velhos do Restelo”, resistentes à mudança?
Os 20% criativos e os 20% resistentes (Velhos do Restelo) são baseados na Regra de Pareto (20 x 80) e na curva em forma de sino. Os extremos da curva de sino são de um lado, os resistentes a qualquer preço, e no outro extremo aqueles que inovam de alguma maneira. Com técnicas apropriadas pode-se intervir e ampliar a capacidade criativa dos 60% que estão no meio e em dúvida sobre sua capacidade de inovar e dos 20% que já estão criativos. Os 20% resistentes preferem não alterar nada e deixar tudo como está. Com esses é bem mais difícil conseguir resultados criativos, embora não seja impossível. Tive uma aluna que chegou dizendo que era tudo, menos criativa e acabou surpreendendo a todos com uma sandália feminina de pele de peixe.
Tenho desenvolvido e aplicado nos cursos de MBA diversas técnicas que desenvolvi como a dos “cinco sentidos©”.
São técnicas simples, mas mostra que criatividade pode ser desenvolvida e aperfeiçoada por qualquer um, independente do nível de criatividade em que se encontre e desde que deseje. Criatividade tem a característica de nunca ser suficiente. Quanto mais se está, mais se quer estar criativo. Em 1950, quando Alex Osborn começou a dar cursos de criatividade nos Estados Unidos, notou que justamente os mais criativos eram os que procuravam o curso. Esses já sabiam o valor que a criatividade tem e queriam se tornar ainda mais criativos.

Educação não acompanha

Partilha da convicção de que hoje, mais do que nunca, a aprendizagem escolar e universitária tradicional é manifestamente insuficiente para o mundo global?
Sim, certamente os métodos educacionais não acompanharam o avanço das tecnologias da informação e comunicação.
Creio ser fundamental “minimizar a importância da capacidade crítica” e “ampliar (fortalecer) a necessidade e a prática da capacidade criativa” dos estudantes universitários. No mundo real eles vão ter que trabalhar na busca de ideias que tragam soluções e alternativas. Aprender a ser crítico, não é bom. Aprender a encontrar alternativas criativas é benéfico, é excelente para eles, é uma nova forma de humanismo porque as ideias acendem a luz onde havia escuridão. Quando os alunos têm ideias criativas ficam incrivelmente mais motivados para “o fazer” do que quando fazem críticas que não acrescentam.
Além de professor, consultor, escritor, articulista e um sem fim de actividades, ainda tem tempo para ser artista plástico. Como consegue dividir o seu tempo?
Essas actividades se somam e estão interligadas de várias maneiras. Tenho muito prazer nelas, de modo que não me sinto trabalhando. E se você não trabalha, então pode se divertir o tempo todo.

Sai da Madeira ainda bebé

É natural da Madeira. Onde nasceu e quando e como foi parar ao Brasil?
Nasci na ilha da Madeira no Hospital dos Marmeleiros. Minha mãe, Encarnação, é do Funchal e meu pai, Agostinho, é do Estreito de Câmara de Lobos. Vim para o Brasil, para Santos, estado de São Paulo, com 16 meses de idade, ainda bebé.

Qual tem sido o seu relacionamento com a sua terra natal? Vem com alguma frequência?
Infelizmente não tive ainda oportunidade de voltar. Quando morava em Zurique, estive em Lisboa, mas não houve tempo de ir até a Madeira. A Madeira exige um tempo maior do que uma passagem de turista.

Que leitura tem da Madeira, uma ilha que já assentou a sua economia no sector primário, com evidência para os sectores da agricultura e das pescas, mas que há décadas tem já uma componente primordial no Turismo, que é secular?
Contudo, a oferta turística cresceu demasiado depressa e a procura não acompanhou. Embora possa não estar muito focalizado na mecânica deste sector, que criatividade e inovação têm de encontrar os empresários para conseguirem ultrapassar a grande dependência dos operadores turísticos?
A criatividade é elemento primeiro em absolutamente tudo. Já fiz cursos com índios, religiosos, políticos, profissionais de praticamente todos os segmentos, directores de grandes empresas nacionais e multinacionais e donas de casa. Não há tema onde criatividade não se insira desde os princípios até a finalização, a partir de onde se realizam inovações. Devemos ter em mente que as ideias que nenhum criativo teve, não existem, não são aproveitadas, negociadas, nem beneficiam ninguém. Tudo parte da criatividade e das ideias contidas na imaginação dos criativos.

Criatividade nas religiões

As religiões, por exemplo, utilizam muito a criatividade. Em São Paulo há um evento chamado “Marketing Religioso” no qual são apresentados desde novos modelos de bancos para igrejas até novos tipos de terços e CD de músicas.
No caso específico de turismo, a criatividade é condicional aos vários aspectos do tema. Fiz diversas palestras aqui no Brasil, mostrando como os países desenvolvem o turismo. Para ser sucinto, o turismo é realização de sonhos, vivências e experiências que não se encontra onde se vive. Por isso fazemos turismo.
Quando não se tem essas vivências, se inventa, cria-se uma com a função turística. Por exemplo, os ingleses inventaram o Monstro de Loch Ness (cuja existência nunca foi comprovada). Na Dinamarca há o mito da sereia. Na Grécia há os deuses e as maravilhas do mundo grego (embora muitas já tenham sido destruídas, o lugar é visitado). Em Santos, o foco é “uma cidade tranquila para a terceira idade” e se desenvolve várias actividades para esse público, incluindo “universidade da terceira idade”, São Paulo se firma como uma “cidade de feiras, exposições, eventos e negócios para a América Latina”.
Esses conjuntos de actividades (que inicialmente eram apenas ideias) promovem a atracção de turistas que buscam experiências e atmosferas que não estão disponíveis na região onde vivem, criadas ou inventadas pelas cidades para conveniência e atração de viajantes.

Lenda da Atlântida na Madeira

Não tenho notícia por aqui que a ilha da Madeira tenha criado um ícone de atracção (espero estar errado), mas também sabemos que esse ícone está disponível para a Madeira e os Açores. Refiro-me à Lenda da Atlântida, descrita pelo filósofo grego Platão, como tendo existido nessa região, entre outros lugares em estudo. Creio que vocês encontram aí, excursões de diversas procedências (incluindo do Brasil) para o turista vivenciar o que “pode” ter sido e sobrou da famosa cidade que “afundou de tanto conhecimento”, diz a lenda.
Dessa forma, dado um ícone, um motivo, uma lenda, a criatividade dos que se interessam pelo turismo é direccionada para fortalecer essas estratégias de atracção de visitantes. Os ingleses, de um modo muito interessante, fazem o turista sair de Londres e ir até o norte (isto é, atravessar toda a Inglaterra) só para ver o que pode (?) ser o habitat de um monstro (que ninguém consegue ver), mas, na verdade, conseguem que o turista fique mais um ou dois dias no país.
Actualmente quando se faz um plano de negócios, é primordial privilegiar a comunicação, divulgação, dar conhecimento do que se está fazendo. Em turismo, isso é ainda mais importante, de modo que jornais e publicações especializadas, e principalmente a Internet (agora com a enciclopédia “WikiTravel” para divulgar turismo), exponham as possibilidades ofertadas, uma vez que turismo pede longos prazos de maturação, até que os primeiros resultados comecem a aparecer. É diferente de um restaurante que já no primeiro mês de inauguração pode se equilibrar financeiramente. No caso de turismo é preciso incluir a “vivência, experiência” na mente de “bel - prazer” de potenciais turistas e para isso se pede tempo e criatividade continuamente.
Para finalizar, é importante salientar que turismo depende de estratégias criativas, mais do que outras actividades que também a utilizam intensamente.

Rui Santo, o currículo

Chama-se Rui Santo. Nasceu no Funchal há 54 anos, mas deixou a ilha, onde não mais voltou, quando tinha 16 meses, rumo ao Brasil.
Hoje é um académico reconhecido no seu país de acolhimento e internacionalmente. Residiu em Zurique, na Suíça, durante quatro anos.
Mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, eng. Sénior Internacional e professor de criatividade em vários MBA’s, ainda tem tempo para ser artista plástico, consultor e palestrante sobre criatividade e inovação.
É autor de 20 patentes e foi escolhido pela Revista ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) entre os 10 inovadores do Brasil, publicado na edição de Maio - Junho de 2006.

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